Em nosso país, durante muito tempo, a Assistência Social foi considerada e entendida como obra de caridade, onde estava presente o favor, o clientelismo, o apadrinhamento. Por isso, acreditava-se não ser necessária a sua profissionalização, mas a colaboração de pessoas de boa vontade, fomentando uma cultura do voluntariado e da filantropia. As ações eram descontínuas, iniciadas e interrompidas não em função das demandas e necessidades da população assistida, mas por mudanças de gestão na ocupação de cargos políticos ou por contingenciamento financeiro.
Tal modelo de assistencialismo, cujas práticas reafirmavam os espaços de exclusão e vulnerabilidade, foi questionado ao longo das décadas de 1980 e 1990, com a mobilização de profissionais, acadêmicos e militantes ligados aos movimentos sociais. Em 1988, a Assistência Social foi reconhecida como direito integrando na Constituição Federal o tripé da Seguridade Social, junto com a Saúde e a Previdência Social, sendo regulamentada posteriormente pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993. Após dez anos, em 2003, ocorreu a IV Conferência Nacional de Assistência Social, onde se instituiu a Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) e deliberou-se pela criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS/2005), produzindo uma importante ruptura histórica com os tradicionais modelos assistencialistas e a lógica de viabilizar direitos como favores (CREPOP, 2008).
Considerando a extrema desigualdade social vivenciada no Brasil e com vista a atuar sobre suas expressões na pobreza e na miséria, experimentadas por extensos segmentos da população brasileira, vem se estruturando, ao longo das últimas décadas, as ofertas de serviços, programas, benefícios e projetos da Política Pública de Assistência Social, com o objetivo de garantir direitos e promover a cidadania.
Paralelamente a este processo, houve um redirecionamento da psicologia, a partir do movimento dos Conselhos Federal e Regionais, visando ao comprometimento social da profissão com o processo de lutas pela transformação da realidade social brasileira (Santos, 2014).
As psicólogas foram, então, convocadas a integrar as equipes do SUAS, passando a estar presentes nos equipamentos públicos da proteção social básica e da proteção social especial, que operacionalizam a política. Hoje, passados quinze anos da sua implantação, o SUAS é reconhecidamente importante e fértil campo de trabalho para atuação das(os) psicólogas(os).
Segundo a Resolução CNAS nº 17/2011, entre os profissionais que compõem obrigatoriamente as equipes de referência dos equipamentos e serviços socioassistenciais do SUAS, estão as profissionais de psicologia. Estas, assim, foram expostas ao atendimento a populações que vivenciam um cotidiano marcado pelas expressões de pobreza e vulnerabilidade social, decorrentes de desigualdade social extrema no país. E esse encontro com o “social” as confronta com dificuldades de ordem pessoal e técnica para lidar com populações que vivenciam outra ordem de subjetividade. Ou seja, esse processo de aproximação da Psicologia com as questões sociais, reflete sobre o (des)preparo dos profissionais para atuar nesse cenário, tanto do ponto de vista técnico quanto do desenvolvimento de recursos subjetivos para atuação com compromisso social (Santos, 2014).
Então, a prática da Psicologia nessa área, embora se apresente como oportunidade de reinvenção para o profissional, amiúde também revela os desafios enfrentados cotidianamente pelas trabalhadoras diante de inúmeros questionamentos sobre a atuação ética, teórico-técnica e politicamente comprometida.
Conforme Santos (2014), uma psicologia comprometida com a transformação social toma como foco as necessidades, potencialidades, objetivos e experiências dos sujeitos e das famílias. Uma psicologia comprometida com a transformação social compreende que intervir na capacidade de transformação do sujeito envolve a construção de novos significados, pois para romper com os processos de exclusão é importante que o sujeito perceba-se num lugar de poder, de construtor de seu próprio direito.
Portanto, a inclusão da psicologia no SUAS reflete o entendimento da interface entre os fatores psicológicos e sociais nas situações de risco e vulnerabilidade. Sua atuação deve se dar sobre a dimensão subjetiva que caracteriza essas situações, fortalecendo vínculos socioafetivos e promovendo a autonomia na perspectiva da cidadania.
Referências Bibliográficas:
Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP). Referências técnicas para atuação do psicólogo(a) no CRAS/SUAS. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2008.
Jornal do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ). Psicologia e Assistência Social: diálogo para a garantia de direitos? Ano 9, nº 38, 2015.
SANTOS, L. N. A psicologia na Assistência Social: convivendo com desigualdade social. São Paulo: Cortez, 2014